quarta-feira, dezembro 17, 2003

(entrevista de Online)

Fim do Curso... E agora?
(reportagem de Imprensa)

Para que serve o Natal?



Manuel diz ter 47 anos, mas a sua aparência faz-nos pensar que já passou há muito a barreira dos 60. Os seus dias são passados pela baixa do Porto, num suceder de dias que diz interminável. Olha para as pessoas que passam por ele - e fingem não o ver - com tristeza. O tecto que o resgurda da noite agreste da Invicta é a entrada do Hospital Santo António, no Largo Professor Abel Salazar.
Olha para os sacos de presentes das pessoas que por ele passam e os seus olhos ficam humedecidos. Diz que o Natal já nada lhe diz, mas o seu olhar desmente tudo isto. Falamos sobre o seu passado, sobre os motivos que o levaram a fazer da rua o seu lar. Diz-nos que a vida não lhe correu como estava à espera, que a vida lhe pregou uma partida. Relembra com tristeza o início daquilo que diz ter sido o início do seu fim. Aos 27 anos a cocaína foi mais forte do que o amor pela sua família. Deixou o trabalho, vivia do roubo para comprar a “dose” de que dependia. Um dia viu a sua filha de 9 anos e a sua esposa a porem-no fora de casa, porque já não aguentavam mais esta situação. Aos 29 anos via-se obrigado a recorrer ao apoio dos pais, que também “lhe viraram as costas”, dois anos depois.
Há quase 17 anos que Manuel vive apenas do apoio dos outros. Não se queixa da vida,pois diz que só ele é o responsável pela situação em que se encontra. Quando lhe perguntamos se ainda tem esperança no futuro, Manuel dirige-nos um olhar de um vazio tremendo:
-Qual futuro?!
É a esta a realidade de um número cada vez maior de pessoas no nosso país. A pobreza no mundo é cada vez maior e não existem formas de se alterar esta situação.
Numa época em que se olha mais para o sociedade em que vivemos, em que valores nobres como a solidariedade são tema de debate e de preocupação públicas, urge esclarecer que “o dia-a-dia destas pessoas é assim todo o ano, e não apenas durante o mês de Dezembro, em “que fica bem estar preocupado com os outros”. Assim diz um voluntário de uma Associação que presta apoio aos Sem-abrigo do Porto, que prefere manter-se no anonimato. Relembra o papel fundamental destas associações, do apoio que a própria autarquia dá. Fala-nos da Viatura de Apoio Móvel do Porto (VAMP) e da ajuda que esta dá aos mais desfavorecidos, àqueles que vivem nas ruas.
“No Natal as pessoas fazem de conta que se preocupam – sim, porque mesmo assim poucos são aqueles que verdadeiramente se preocupam. Custa-me muito a hipocrisia das pessoas...”
E é assim que os mais pobres vivem o Natal: com indiferença. Para eles o Natal nunca é “quando um homem quiser!” Vivem um suceder de dias, e não uma vida propriamente dita. Entre uma esmola e um olhar de maior compaixão que lhes é dirigido, pensam para que serve o Natal. Foi esta a pregunta com que Manuel nos deixou... E para que servirá, de facto, se estas situações nos rodeiam e nada podemos fazer para que mudem?
Às vezes um sorriso no rosto envelhecido pela dureza da vida vale mais do que mil presentes. Afinal, todos nós somos seres humanos e é isto que no Natal se celebra, ou não?”

Sites a vistar:
Casa da Rua - Santa Casa da Mesericórdia do Porto

Artigo relacionado (de outros autores):
http://www.a-pagina-da-educacao.pt/arquivo/Artigo.asp?ID=638

quinta-feira, dezembro 04, 2003

(reportagem de Imprensa)

Comércio Tradicional sofre com a crise este Natal



Por esta altura, as ruas são decoradas com motivos natalícios e as pessoas percorrem as lojas em busca do presente ideal para aquela determinada pessoa. Fala-se em crise económica, na falta de dinheiro dos portugueses e em como o comércio tradicional sofre com este momento menos bom da economia nacional. Numa época em que as pessoas têm tendência a gastar um pouco mais, fomos ver como estão as compras de Natal dos portuenses.
Em Cedofeita, uma zona comercial por excelência da cidade Invicta, os comerciantes não estão muito confiantes em relação ao negócio nesta época do ano. Fala-se do pouco dinheiro disponível, da necessidade de “se apertar o cinto”, como afirma uma senhora de 61 anos que olha para o cintilar das luzes de uma montra. Afirma que ainda não comprou nenhuma prenda, e que só esta a pensar dar umas pequenas lembranças aos netos. Queixa-se da baixa reforma que recebe, que lhe permite aceder a pouco mais do que os bens de primeira necessidade (com uma grande percentagem do rendimento destinado aos medicamentos).
Mas há também quem afirme que não nota qualquer diferença no seu poder de compra, como é o caso de Alexandre Oliveira, que afirma também já ter comprado a maioria dos presentes. Há também entre as pessoas que circulam por esta rua quem sinta a crise no bolso, mas que continue a fazer as suas compras de Natal como fazia “quando tinha mais algum para gastar”. É este o caso de pessoas como Manuela Silva, que gasta quase todo o seu subsídio de Natal e o do marido em presentes, “porque é uma tradição que deve ser mantida”.
A maioria dos comerciantes de Cedofeita está desanimada e não prevê melhorias nos próximos tempos. Há quem descreva uma situação quase catastrófica, como Zélia Magalhães, da Sapataria Iesse, que aponta o início desta crise para 1995, com o aumento do desemprego e da enorme concorrência que os grandes centros comerciais fazem. Recorda que “antes as pessoas de Braga e de Guimarães vinham fazer as suas compras ao Porto, mas que agora têm lá os mesmos tipos de loja, por isso já cá não vêm”. Zélia Magalhães não espera uma melhoria desta crise para tão cedo. Esta é também a opinião de um dos donos do Taj Mahal, que aponta o endividamento das famílias portuguesas como o grande responsável por esta crise. Adianta que, face ao mesmo período do ano passado, as suas vendas sofreram uma quebra de 40%. Diz que “com 1000 euros de ordenado, pagando o carro, a casa e isso, as pessoas ficam tesas”. O lucro que vai retirando do comércio provém, essencialmente, do vestuário “exótico, diferente” que se pode encontrar nesta loja.
Na compra de telemóveis, o cenário é semelhante. Sónia Silva, chefe de equipa da Ensitel da Praça Carlos Alberto, diz que “as vendas este ano estão bem piores do que as do ano passado, por causa da crise”. Mas revela esperar que com o aproximar do Natal as vendas subam, já que “os portugueses deixam tudo para a última hora”. Conclui afirmando:
-Enfim! Estamos em Portugal… Anda tudo teso!
Mas há lojas que parecem não sofrer com a crise, como as de acessórios femininos, onde “as vendas vão bem, não nos podemos queixar”, diz Miriam Sousa. Também no Leão das Louças a crise ainda não é muito visível. Arnaldo Teixeira afirma que “a crise é uma coisa que só se sabe no fim, mas até ver estão bem inferiores, mas pode ser que haja uma recuperação. Não vale a pena falar muito de crise”.
Com crise ou sem crise, o certo é que a agitação nas lojas este Natal parece bem menor. As pessoas continuam a olhar as montras, a entrar nas lojas… Mas as compras, quando existem, são poucas e de baixo montante, queixa-se o comércio tradicional. Há já quem diga que até o Pai Natal terá de “apertar o cinto” neste Natal.