segunda-feira, outubro 27, 2003

(o verdadeiro trabalho de Rádio)

Cenário Sonoro



O silêncio entre aquelas quatro paredes, brancas e sem vida, estavam a criar em mim um caos mental. Qual turbilhão de mihares de sons diferentes, o silêncio transforma-se num enorme desassosego com o seu ruído. Para mim, o silêncio não significa a ausência de todo e qualquer som; a ausência de som é algo inexistente, vivemos rodeados de sons e a sua presença é-nos fundamental.
Abro uma gaveta de madeira, que range com o meu puxão. Procuro entre os CD's algo que quebre o ensurdecedor silêncio que me está a enlouquecer. O ritmo das caixas de plástico a baterem umas nas outras à medida que folheio a massa que elas constituem faz-me esboçar um sorriso. Nada encontro que me consiga alterar o humor. Bato a gaveta, furioso. O eco da gaveta a embater no móvel envolve toda a casa e todo o meu corpo.
Resolvo descer à rua. Fecho a porta, suavemente; o barulho metálico assegura-me que fui bem sucedido. Chamo o elevador. Oiço o motor a puxá-lo, ruidosamente. Um ou dois minutos depois, encontro-me na rua, olhando aquela imensa lua que cobre a cidade com um véu acizentado...
O vento atravessa a minha roupa, produzindo leves murmúrios sibilantes... Um carro passa por mim a alta velocidade. O ruído do motor continua a preencher o vazio da rua, mesmo alguns segundos após a sua passagem. Ao atravessar a rua, um carro buzina. Abrem o vidro e gritam qualquer coisa impercetível apesar do silêncio que amordaça a noite. Dou um pontapé numa lata, que percorre uns metros de calçada à medida que produz dezenas de sons metálicos. De novo o silêncio. Num beco escuro um gato mia desesperadamente. Como se estivesse num canil, sou cercado por latidos de cães furiosos. Um deles, talvez mais triste com a sua situação ou tecendo elogios à beleza do luar, solta um uivo que ecoa por entre a cidade adormecida.
Uma rajada de vento mais forte levanta algumas folhas de jornal, que dançam a alguns metros acima do solo, como se estivessem num ritual mágico.
Os pequenos sons e ruídos preenchem-me. Cansado, sento-me num velho banco de jardim. Por baixo de mim, oiço a madeira a ceder. As folhas das árvores agitam-se, produzindo uma agradável e harmoniosa melodia.

A paz interior, finalmente, reina em mim...

Sem comentários: